quinta-feira, 30 de julho de 2009

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Boteco: desenlace e outros devaneios

Sentada no sofá velho de casa, com os pés para cima, a cabeça para o mundo e o coração batendo baixinho, experimento o primeiro gole da cerveja gelada. Já se passara uma semana, estava na hora de beber. Sempre reservo um dia, preferencialmente as sextas-feiras, para ter um momento como esse. Não imagino como é para a maioria das pessoas o momento predileto. Cada um tem o seu, mas, com certeza, entre os meus hábitos favoritos, que carregarei para a velhice, está o de beber uma vez por semana. Pode não ser apenas cerveja. Gosto de vinho também, embora prefira tomá-lo todos os dias, antes das principais refeições. Infelizmente, a pouca disponibilidade financeira não tem assim consentido.
Tomar cerveja gelada, com os pés descansados do sapato, é como endorfina no sangue depois de uma hora de corrida. Você se liberta do mundo. Vai para fora daquela caverna escura de Platão. Seu chefe que te inferniza todos os dias, por exemplo, pode ficar preso lá dentro se você quiser. Isso é apenas uma das várias sensações que podem ser estimuladas por um momento como esse.[1] Os médicos não pensam assim, ou porque não bebem ou porque mentem muito. Não vivemos em tempos do politicamente correto. Tem gente que come chocolate. Eu prefiro cerveja de sexta-feira.
Sem tomar banho, com o zíper da calça aberta libertando minha gordura da prisão de um dia inteiro, abro uma latinha e ligo a tv. Nunca consigo lembrar o que estava assistindo porque a minha TV veio com uma função a mais que o próprio fabricante desconhece: ela pode me levar para longe dali. Nessa psicodélica mistura de cevada com ondas magnéticas meu pensamento vai adiante, atingindo um ponto em “que eu não sou eu, nem sou o outro. Sou qualquer coisa de intermédio, pilar da ponte de tédio, que vai de mim para o outro”. Mas isso não é frase minha, copiei de um heterônimo de Fernando Pessoa. Ele devia beber também. Além da conta, porque não agüenta a pressão e se suicida ainda muito jovem.
Quando sinto a primeira “cosquinha” na língua começo a tentar entender porque parte da cultura humana está envolvida com o ato de beber. Precisar tomar água para sobreviver seria um bom argumento. Mas de quem foi a idéia de colocar um banquinho pra gente se sentar? E porque às vezes o sofá de casa não preenche a necessidade de visitarmos um lugar chamado boteco? Poderia ser a necessidade do convívio social, mas, existem muitas pessoas que preferem ir sozinhas.
Eu não sou botequeira, mesmo gostando de beber umas coisinhas. Se me convidam eu vou, não vejo problemas, pelo contrário, tenho histórias divertidíssimas para contar que vivi em alguns desses passeios. Contudo, não parte de mim a vontade de sair de casa para ir a um boteco. Prefiro meu sofá. Se fico bêbada, caio nele e durmo, acho mais prático. Mas porque será que o boteco causa tantas intrigas? Será que a idéia de quem o inventou não foi, justamente, unir as pessoas em torno de algo comum? Digo isso porque não é de hoje que ouço tantas queixas, principalmente, femininas, sobre os estragos afetivos que ele causa. Este devaneio vai longe, é melhor abrir outra latinha...
Eu conheço uma jovem, mãe de duas meninas lindas. Ela é o que chamamos em nossa sociedade de moça bem-casada. Estável, tem casa, comida e saúde na família. Seu marido é trabalhador e eles são felizes. Não fosse o fato de ele esquecê-la na mãe, ao domingos, para beber o dia todo no boteco com os amigos. Ela não reclama muito, tem se acostumado. E agora, que dirige, não tem mais medo quando o esposo vem buscá-la assim, digamos, um tanto alterado. O que ele faz o dia todo nesse bar? Porque uma ou duas horas não resolvem o seu problema? Não seria melhor ficar com a mulher e as crianças, afinal, não foi para isso que se uniram? Eu não tenho nada a ver com isso, mas quem controla o pensamento depois de duas latinhas de cerveja? Não foi por isso que a lei seca reduziu a quantidade tolerável de álcool? Enfim, agora, nessas condições, de posse da terceira, sou obrigada a cuidar da vida alheia.
Se do boteco surgiram poetas colossais, compositores renomados, musas de cinema, e uma série de entidades artísticas refinadas, outros tantos, dotados de menor pré-disposição artístico-intelectual, ou, menor espiritualidade, perderam-se entre copos de cerveja, baforadas de cigarro e tantas outras substâncias menos lícitas[2]. Se dos botecos emergiram os talentos de Vinícius de Moraes, Cartola, Tom Jobim e Maíza, há de ser considerado que outros Tons, Marias, Raimundos e Josés tenham ficado à espera do aplauso, do reconhecimento quiçá de parentes próximos ou amigos.
Meu objetivo não está no desejo mórbido de difamar os botequins, entendendo-os como antros de perdição ou colônias de férias do capeta. Se assim o desejasse, seria eu mesma, a personificação de Madalena imersa nas caldeiras do inferno. Gosto de ir em bar como já disse. Sentar minha bunda na cadeira de madeira, acompanhada por algumas poucas e raras amizades. É bom, vez em quando, entornar um copo gelado de cerveja, enquanto rio alto e falo mal sobre um monte de gente, da qual, no dia-a-dia, finjo gostar.
Já imaginou uma sociedade sem um lugar como esse? O que fariam os psicanalistas se não pudessem beber depois de cada sessão com um bando de gente louca, depressiva e angustiada? Botecos são como a parte empírica do divã. É nele onde as pessoas colocam para fora sentimentos escondidos lá no fundo da alma. Se Freud estivesse vivo, certamente o veríamos dando plantão no Bar Azul, depois de ter obtido sucesso com o último best-seller que uniu a bebida ao desejo sexual, respondendo, explicando e trazendo à tona todas as obscuridades do inconsciente humano. Uma hora semanal de terapia acompanhada por uma equipe de competentes profissionais: um garçom, um cara especialista em piadas e alguém para flertar entre uma dose e outra. No entanto, uma botequeira de carteirinha lembra que “esta vida agitada não serve pra nada. Andar por aí, bar em bar, bar em bar...”
Não fosse pelas várias vezes em que vi a cena triste do meu pai caído debaixo do chuveiro, eu estaria muito longe de perceber o boteco, também, como responsável pelo sofrimento de muitas donas de casa. Afinal, onde estavam as esposas dos poetas colossais, dos compositores renomados, ou, os maridos das glamurosas divas do cinema, enquanto, eles regozijavam-se na brisa suave provocada pelas doses de wisky escocês? Pensemos então em Freud que, segundo a rede de boataria, gostava de testar sua teoria do complexo de Elektra com a filha. Tentemos imaginar onde estaria sua filha amada, querida e desejada, enquanto papai estivesse consultando lá no botequim do Vai quem qué? Até mesmo porque, boteco não é lugar de pai levar a filha. Bem, minha mãe ficava em casa. Imagino que todos os que esperam pelos botequeiros começam esperando em casa. Pelo conforto, ou, pela preocupação de ficar a espreita, abrindo a porta. Afinal, um botequeiro de qualidade sempre esquece as chaves.
Papai é um senhor vivaz. Destes homens que fazem muito com o pouco que têm. Sua pele manchada de sol, o cocuruto vermelho no topo da cabeça e os cabelos louros desbotados reforçam alguns meses aos 743 dos quais ele possui. Graduado em caldeiraria pela escola do “faça você mesmo” sempre esteve rodeado de profissionais do segundo setor. Neste caso, ele pode perfeitamente ser enquadrado dentro da categoria conhecida como “peão”.
Um peão de fábrica é um sujeito, na maior parte do tempo, alegre, barrigudo, sujo de graxa e de baixa escolaridade. Muitos deles não concluíram o ensino fundamental I, que vai até a 4ª série, ou, antigo primário, como muitos definem. A personificação mais recente usada como parâmetro pela antropologia brasileira está na figura do presidente da república federativa, excelentíssimo Sr. Luís Inácio Lula da Silva. Como ele, os peões de fábrica gostam de barba comprida, da família e de churrasco. O senso comum diz que todo bom peão de fábrica torce pelo Corinthians, mas existem os que negam fielmente. Como meu pai, por exemplo, que gosta do Palmeiras. Mas isso não interfere nas demais características descritas. Muitas pessoas entendem que o reducionismo utilizado para traçar o perfil desta categoria profissional, como foi realizado acima, é uma forma velada de preconceito. Concordo. Mas o que eu faço quando vejo aquele gordinho todo sujo, chegando em casa com um monte de lingüiça cuiabana enrolada no papel de padaria? Eu bem sei que há mais de uma hora ele deixou o posto de trabalho e não veio para casa. Se o açougue fica do lado de casa, e a fábrica não é longe, por onde andava meu pai? Sou preconceituosa. Meu pai é um botequeiro genuíno. Tem um Genuíno também que tem a maior cara de botequeiro. Ele se parece bastante com o presidente Lula, mas essa história fica para uma outra hora.
Meu pai não é alcoólatra. Eu poderia pensar assim naquela época. Hoje, crescida, não mais. Aos sete, oito ou nove anos de idade, não compreendemos muito bem a diferença entre tomar um copo de cerveja e entornar um barril inteiro. Embora eu acredite que, fruto de um trauma infantil, muitas pessoas continuem cegas para esse tipo de relação métrica. Além disso, atualmente, as idas e vindas de meu pai pelos bares do “Mário”, da “Valéria”, da “Maloca” e do “Marquinho” revelam um comportamento muito mais social que vicioso. O botequeiro não sofre como o alcoólatra. Ele não tem uma doença que precisa ser tratada. Acho que o botequeiro é uma espécie de personagem social a ser entendida pelas ciências humanas, preferencialmente, a antropologia[3]. De qualquer modo, os temas não têm relação nessa conversa toda.
Homens e Mulheres têm o mesmo comportamento? Ou a impressão que tenho, de que homens freqüentam botecos com muito mais afinco do que as mulheres é um desses estudos ainda não realizados pela lustrosa academia norte-americana e suas pesquisas esquisitas? E que um dia, surpreendentemente, o jornal do meio dia revelará o que todos já sabiam: homens têm no boteco a sua segunda casa? Vejamos o outro lado da ponte: minha mãe.
Mamãe é uma senhora forte dona dos próprios pensamentos. Da origem nordestina, que no sangue tem algo de Maria Bonita, ao nome Regina, que nas revistinhas de horóscopo quer dizer Rainha. Ela sempre cuidou dos filhos com uma ave de rapina em volta do ninho. Mas isso não a transformou em uma mãe superprotetora, pelo contrário. Dela partiu o exemplo de coragem e determinação que norteia toda a família, incluindo um irmão, que virou militar. Acho que isso diz alguma coisa. A única intempérie, que contradiz minha mãe, talvez, seja meu pai. Nisso, afinal, ela tenha metido os pés pelas mãos: mamãe casou com um botequeiro. E, pior, desistiu da ilusão de transformá-lo, quer pelo amor, quer pela dor. Não adianta brigar mais.
As lembranças da infância trazem às imagens da escola, da professora do prézinho, do lanche dentro da lancheira. Também lembro das brigas com o meu irmão, sempre tão comuns... Minha mãe ia pouco à escola, incentivava a gente a se virar pelas próprias pernas. Não era desleixo. Ficava de olho, era professora nas proximidades. Meu pai não ia à escola. São poucas, quase raras, as lembranças de infância com meu pai. Ele tinha pouco tempo, trabalhava muito. Não por coincidência, ou ironia, sempre está o meu pai lá, de calça suja de graxa, sem camisa, um copo de cerveja. Algumas vezes, no lugar da lingüiça, estava a mortadela com sal e limão, uma delícia![4]
Não lembro de nenhum pai chamado Francisco, talvez tenha sido a resposta dada para a professora do primário. Porque foi nos bares da longa estrada da vida, que batizaram meu Galego ou Alemão. E é destes aí que eu sou filha. Coisa engraçada não lembrar do nome verdadeiro do próprio pai. O codinome Saromba, é mais forte em mim, aos cinco anos, que aquele do registro civil. Como era mesmo? Francisco. Não, não o conheço.
Tudo começou pela predisposição de artista inerente em meu pai e que o boteco como já vimos anteriormente, sempre trazia à tona. Ele tem talento para a música. Meu pai canta como os seresteiros antigos, como Celestino Cavalcanti, embora, o seu repertório hoje, revisto e atualizado, esteja entre Mato Grosso & Mathias e Bruno & Marrone. O problema, que também pode ser entendido como uma característica típica dos artistas em geral, mas que não quero voltar a polemizar com a questão reducionista da estereotipagem, está na vocação para a boemia. O que, em um dado momento, sobrepôs o talento. Lembro de uma buzina alta e de alguém gritando no portão. Então o Galego sacava sua viola, metia no saco e só aparecia algumas 24 horas depois. Daí surgiram algumas promessas de desenlace e uma mudança de cidade no futuro. O que sobrou é uma sombra do que foi o boêmio de 15 anos atrás. Um senhor alegre, que engana o médico, os medicamentos e a depressão para se arriscar em uns goles de cerveja. O hábito, ainda que domado às duras penas, sobrevive com o auxílio de algumas artimanhas embutidas em um saco de limão para um amigo. Ele sai às seis da tarde e volta às nove da noite. O amigo mora longe. Limão é fruta, se fermentou a culpa é de quem? Dele que não é. Freud explicaria naturalmente. Minha mãe aprendeu a conviver.
Não que papai não mereça o amor da minha mãe. Amo meu pai. Graças aos seus espermatozóides de boa qualidade, está no mundo hoje esta gazela saltitante. Todavia, o que faz uma mulher gostar de alguém que bebe? O fato não é raro. Uma conversa de poucos minutos, entre mulheres, revela um dilema vivido por todas, com maior ou menor intensidade, mas, comum: o problema de seus amantes e seus botecos prediletos. A saideira que nunca sai para lugar algum, a serenata noturna, não romântica, mas dos roncos intermináveis e ensurdecedores, o mau hálito, o peido fedido, o arroto. Esmiuçar outros detalhes, além de desagradável, seria pouco refinado. E porque elas não freqüentam também os botecos? Não seria uma solução para um dilema tão antigo? Se o homem vai ao boteco com os amigos, se joga futebol com eles, se lava o carro nos finais de semana, porque as mulheres não fazem as mesmas coisas? Cul-tu-ra? Pode ser, pode não ser.
Os homens reclamam quando precisam nos levar às compras, ao cabeleireiro, à nossa mãe. Experimente deixá-los em um barzinho, enquanto fazemos tudo isso. O que era tempestade vira abonança e, se ele estiver na companhia dos amigos, é capaz de te dar uns trocados a mais para você comprar aquele chapéu ridículo de que tanto tem falado. Por que então não ficamos relaxadas, fazendo nossas comprinhas, visitando nossa mãezinha, enquanto ele está lá no bendito botequim que nós mesmas deixamos? Não é algo estranho? Claro, nem tudo são flores. Nem na sociedade mais justa do mundo idealizada por aquele peão barbudo[5], tais trocas se dariam de maneira tão saudável.
Faz dois anos que Karen foi a um bar. Não para se divertir. Tão pouco para comprar cigarros. Atendendo ao pedido do sogro, ela saiu em busca do namorado pelos botecos da cidade. Acompanhada da cunhada e um casal de amigos ela saía, mais uma vez, para resgatar o soldado Ryan que, mesmo vencido por algumas latas de cerveja continuava rumo ao fronte sem temer a morte iminente. Paulo já estava bêbado quando saiu de casa àquela noite. Mesmo atormentado por uma infinidade de ácidos estomacais, driblou o exército que saíra a sua procura. Foi resgatado por uma outra tropa, dormindo, dentro de um tanque de guerra. Ironia à parte, imagino que tenha sido uma experiência importante para uma jovem de 18 anos. No mínimo, traumatizante. Ou você consegue se lembrar com exatidão quais foram o dia, mês e ano em que você foi para uma balada?

- 2 anos, dia 02 de abril de 2007. O pai dele ligou da casa dele, falando que ele estava bêbado. Daí eu e minha cunhada e um casal de amigos fomos até o bar, perto da casa do pai dele, só que ele já tinha saído. Na hora que chegamos ele estava bêbado demais, tomando um banho, depois que três amigos dele tinham encontrado ele dormindo dentro do carro, na rua.

Talvez existam três saídas: a primeira é fechar os olhos para algo que não se consegue reverter. Esqueçamos os botecos para todo o sempre, que os homens tenham ido para um mundo encantado, ou, abduzidos por alguma força extraterrestre. Pense nessa possibilidade. Por algumas horas você acreditaria, fielmente, que seu amado estava dando umas voltas lá pela 12ª casa do zodíaco; em segundo lugar, podemos dar o troco, não pela mesma moeda, porque se o simples fato de ir ao boteco fosse o problema em questão, a própria questão deixaria de existir. A paga a que me refiro pode ser entendida, como criar um hábito que o desagrade também, o que me parece um tanto destrutivo. Além do mais, com essa constante desvalorização na taxa cambial, quem está seguro para realizar transações tão arriscadas? Você corre o risco de apostar alto e voltar para casa de mãos abanando. A não ser que você, de quebra, saia com o corretor da bolsa de valores, um evangélico convertido, que nunca pensou em bebida na vida. Dê um pé no seu namorado e viva feliz para sempre, fingindo que seu novo pupilo é um santo perdido nesse mundo de loucuras; a terceira saída é a saída literal da vida dele, porque insistir numa furada destas? É um discurso feminista, que agrada muitas, frustra outras, mas que sempre está aí para o que der e vier.
Tem uma quarta alternativa. Esta eu encontrei no google.com. Para os adeptos da “macumba vez em quando faz bem” vai a dica da mãe Marta do site http://maemartadeoba.com.br.[6]

PARA MARIDO BOTEQUEIRO
Pegue uma garrafa da bebida predileta dele, escreva o nome dele no rótulo, com letras bem grandes, depois enterre-a do lado de dentro do seu portão, de ponta cabeça. Se morar em apartamento, enterre num vaso que fique dento de casa, jamais na sacada ou mesmo na janela.

O fato de meu marido freqüentar botecos não é algo desagradável[7]. Aproveito enquanto ele está lá, para fazer coisas que gosto de fazer sozinha, ou, na companhia de amigas. É o momento ideal para fazer compras no shopping, depilar as pernas, fazer as unhas e porque não, beber dry martin (que ele detesta) sozinha em um bar, ou em casa. Assistir a Orquestra Sinfônica de Campinas com um monte de lenços de papel, chorando como uma vaca louca, sem precisar disfarçar. Você nunca experimentou ficar de porre, correndo pela casa pelada, ouvindo a música mais brega do mundo? Mulheres de todo o Brasil, vocês não sabem o que estão perdendo, não sofram, mandem seus bofes para o boteco e aproveitem o que a vida tem de melhor!


- Eu sou mulher, sei o que incomoda. Não é o boteco. Nem os amigos, embora sejam todos eles, detestáveis..

- (risos).

- Sim. Porque nos bares tem sempre algum amigo solteiro que fica cutucando ele pra ficar até mais tarde. E nós ficamos em casa, esperando. Isso já fez nós brigarmos muito e até terminar.


- Quando eu ligo pra ele, tarde da noite de sábado, ela fala que vai tomar mais uma e já volta. Nunca volta, chega uma, duas, três horas depois.


Como posso perder para uma garrafa de cerveja? É o pensamento de nós mulheres quando ficamos de molho, parecendo àquelas batatas de casamento que todo mundo adora mais que ninguém come. Quando não somos convidadas. Quando o boteco ganha características particularmente masculinas. Vira a seita de um público-alvo restrito. Como em certas religiões: mulheres de um lado, homens de outro. Não podemos participar. Por quê? Aumentam, em vão, as sessões de drenagem, as horas na manicure, os gastos na boutique de luxo. Para quê? Você gasta uma fortuna para acertar a franja do cabelo como a atriz da novela das nove. Ele chega trêpado, dando risada, dizendo que o seu cabelo está igual a boneca barbie da 25 de março. Perdemos, ele se foi para o bar. Voltará bêbado, broxa e falastrão. E vai roncar como um porco durante toda a noite. Fazer aquele barulho estranho com a garganta. Que bosta, se eu tivesse uma bomba, explodia aquele maldito.

- Pra mim o que é pior não é o fato de um namorado meu ir a um boteco. O problema é quando ele brocha em cima de mim.(risos)


- Como assim?


- Eu tinha um amigo. Esses flertes que você tem na adolescência. Sete anos de amizade. Sete anos sem dar pra ele. No dia em que finalmente a coisa vai rolar...na hora H...ele dorme, em cima de mim.


- Ah nãooo!!!

- Ah nãooo!!!



(gargalhadas)

Uma técnica infalível é buscar o botequeiro. Se ele não vem, vá você então. Ele encolhe os ombros, põe o rabicó entre as pernas e vem para casa. Fica uma semana sem olhar para sua cara, mas volta. Como o ditado de Maomé, entende? Jamais faça isso se você tem filhos. Não permita que as crianças passem por um momento como esses. Além de humilhante, pode causar danos incalculáveis para o desenvolvimento afetivo delas. Não transfira para os pequeninos uma dor que é só sua. Não quero falar sobre isso em uma sexta-feira.


- Não, meu namorado não bebe.


- Nunca colocou uma gota de álcool na boca?!


- Não.


- Como assim?


- Acho que porque o pai morreu de cirrose, ficou traumatizado.


- (silêncio)

Lembrei de uma conversa que tive dias atrás com dois amigos meus. Não em um bar, apesar do clima de descontração. Estávamos tomando café no trabalho. Segundo um deles, o que acontece nesse triângulo conturbado entre homem, mulher e o boteco, pode ser explicado por um negócio chamado de projeção de imagem. Ele falou de maneira rebuscada, usando termos parecidos com esses de psicologia. Resumindo, ele disse que ao sentir ciúmes do boteco, a mulher projeta no homem tudo o que ela faria em seu lugar. Portanto, se ela tem medo de que ele a traia é porque em seu lugar ela o trairia com alguém. Se o problema está no fato de ele beber tanto, certamente, em seu lugar, ela faria coisa pior.


- Eu tinha uma namorada que tinha ciúmes até da gata da avó. Uma vez eu fui na casa da avó dela e a gata começou a me lamber. Deu o maior barraco. Mulher doida!


Se o negócio da projeção da imagem funciona mesmo, fiquei me perguntando o que teria feito a ex-namorada do meu amigo se estivesse no lugar dele enquanto a gata a lambia. E você?
Meu amigo não estava totalmente errado. Eu acho que as mulheres fantasiam muitas coisas sobre os homens e suas artimanhas. Não sei porque fazemos isso, mas nossas conversas dentro dos banheiros femininos não nos coloca numa boa posição. Mulheres falam de tudo dentro do banheiro, além de pegar nos peitos umas das outras para medir o tamanho do bojo do sutiã, ou para sentir a nova prótese de silicone da colega. Se fazemos coisas nojentas desse tipo, se conversamos com a porta aberta enquanto fazemos xixi, porque não confessar de uma vez que falamos da bunda do fulano de tal e que, não por acaso, é amigo em comum dos nossos namorados? Hum...nós sabemos do que somos capazes, talvez seja esse o problema. Se os homens soubessem que o jogo é tão menos importante que a grossura da coxa do Imperador, nunca mais nos levariam para o jogo do Flamengo. A gente até que evita, mas eles vivem chamando a gente para a partida de futebol. Coisa chata!


- Mulher pensa muita besteira. A gente vai no bar pra bater papo, jogar conversa fora. Falamos de futebol, do trabalho, que mal há nisso? Quando a gente diz que vai jogar futebol dá o maior rolo. Que perigo pode ter em um lugar onde tem onze homens de um lado e onze do outro, correndo um atrás do outro? Isso pra mim é insegurança.

Quantas cervejas eu já tomei até aqui? Não lembro. Mas que importa saber quantas cervejas já foram barriga adentro, se tem um pia cheia de louças para lavar? Uma pilha imensa de roupas amassadas e um banheiro sujo? Existem problemas piores a resolver. Como já disse antes, mas é preciso reforçar, porque a cerveja embaralha um pouco a linha de racio-racio-raciocínio, não fico incomodada se o meu mari-ri-do vai ao boteco. O que é foda, é ter que arrumar as coisas em casa sem a ajuda dele. Ele trabalha, eu também. Ele paga as contas, eu também. E porque será que quando ficamos de porre sou que preciso acordar mais cedo para fazer o café? Disso eu não gosto não. Quer ir ao barzinho, pode ir. Mas o banhe-nhe-nheiro é vo-vo-cê que va-vai limpar amanhã. Comigo não violão! O tempo da escravidão acabou. Viva o mundo, viva as mulheres. Eu to bêbada e o sofá tá girando feito o samba do crioulo doido. Linda, linda, que linda a atriz da televisão! Aposto que o marido dela não vai ao boteco e a deixa sozinha, ele não é maluco. Se bem que essa biscate nem tem cara de mulher casada, deve dar pra todo mundo lá no boteco que o meu marido vai. Mulher casada não dá pra todo mundo?
Como sempre termino assim, falando demais. Eis que me encontro, mais uma vez, entregue às traças e a bebedeira. Jogada em cima do sofá. Vou adormecendo agora, fechando um olho de cada vez. Foram duas horas intensas de delírio, prazer e muita imaginação que, na próxima sexta-feira, voltam a se repetir.



Notas

[1] Tem gente que fuma maconha. Dizem que a capacidade de abstração mundana é maior. Eu não sei, nunca experimentei.
[2] Entendamos o termo de duas maneiras: por um lado, à maneira ortodoxa social, como o fato que não corresponde ao hábito posto e aceito, juridicamente, como norma legal; por outro, como algo que foge aos paradigmas impostos pela noção de moralidade adotada por cada ser social ou, em outros termos, pelo umbigo de cada qual. Faço isso na tentativa de não parecer demasiada moderna, demasiada conservadora. Até mesmo porque, o que pode ser tomado por um péssimo e desgraçado hábito de uns, pode ser o deleite ou, desafogameto, de tantos outros.
[3] Li isso em algum lugar?
[4] Quitutes que aprendi com meu pai para acompanhar uma cervejinha: salsicha de molho no vinagre, mortadela com sal e limão, fígado de boi bem frito e com bastante cebola.
[5] Na sociedade idealizada por Karl Marx haveria boteco? Como seria feita a divisão das doses?
[6] Tem uma mandinga para marido biscateiro que é ótima!
[7] Des-de-quê esse dia não seja um sábado à noite, é claro. Coisa mais estúpida deixa a namorada em casa em um final de semana, à noite. Em que dia será o sexo, na segunda? Impossível. Eu ficaria com o meu chefe na cabeça a transa inteira. Estupidíssimo.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

O primeiro avião de Dumont

Agitava o lápis, nervosamente, entre os seus longos e delgados dedos. Pálidos e gélidos. Resultantes da fusão familiar de franceses com portugueses. Miscigenação, típica, para a maioria dos brasileiros daquele período pré-republicano. Eram sete e trinta e cinco da manhã. Aula de álgebra no imponente colégio Culto a Ciência, de Campinas, interior de São Paulo. Devidamente, uniformizados e disciplinados, os alunos, essencialmente meninos, buscavam a solução para a pequena pauta de 52 exercícios aplicados pelo professor Adolf Hitler, um senhor de barbas podadas, um bigodinho um tanto cafona, compridas costeletas, e um cabelo embebido em algum tipo de cera desconhecida. Tão ríspido e tão exigente, como um ditador que, a milhas dali, maquinava algum plano sanguinário contra toda a Europa.
(...) a extremidade, oposta à grafite, tocava incisivamente a carteira escolar, extraindo um barulho contínuo e ordenado. Um som cantava oco, pelo fato da mesa possuir um tampo, que levantado, permitia o acesso a um compartimento interno, onde os estudantes guardavam livros e alguns pertences sagrados, como bolas de gude, pão recheado com geléia de damascos, de alguma tia gorda, e uma rã, especialmente reservada para aquela professora de nariz comprido e boca achatada. Mas neste dia, nada havia dentro da cavidade, o que proporcionava uma amplitude, ainda maior, a este comportamento típico das pessoas ansiosas.
O incômodo era visível. Podia sentir à sua volta a impaciência e o enfado de seus colegas de classe. Mas, certamente, havia uma explicação lógica para tudo aquilo: Alberto Santos Dumont, buscava, concentração. Corrijo, observando, que se tratava de uma explicativa, mais EMO-tiva, que racional. Seu coração batia acelerado. Os dedos que ainda pouco referira, suavam. Sentiu uma gota escorrer por debaixo do couro cabeludo. Prendeu a respiração. Estancou. Quebrou o lápis. Silêncio absoluto. Todos se entreolharam. Por sorte o tirano, concentrava-se na leitura tão preciosa de seu Correio Popular, por certo, Deus o mantinha dormindo por detrás daquelas laudas enfadonhas (Velho Babão!). Santo nariz de cera jornalístico. Esperou que a nuvem carregada de espanto se dissipasse, quando lentamente fechou os olhos e deslizou as mãos sobre o papel, deixando cair, silenciosamente, o lápis sobre a carteira.
De olhos cerrados, o jovem franzino, no auge de seus 14 anos, voltava há alguns meses atrás, ainda nas férias de janeiro, aos saudosos 13 anos que não pareciam querer ir embora. Era um menino do interior. Adaptando-se a espantosa vida da cidade. Contudo, não esquecia a fazenda, os tratores e as locomotivas que aprendera a pilotar, tão cedo. O cheiro do capim molhado e dos pássaros que voavam sobre a pastagem, que tanto prezava. De ficar com os olhos esbugalhados, vendo as aves de asas compridas, subir e descer, subir e descer. Suas férias de janeiro, tinham sido fantásticas, inesquecíveis. Mas o que o atormentava agora com tamanha força, não era a saudade do capim molhado, das aves que voavam ao longe, do cheiro do óleo queimado do trator. Eram os olhos dela. O beijo que o levara até as alturas.
A filha do caseiro da Fazenda Arindiúva. Mariana, tão doce, Mariana. Os olhos amendoados. Descendente de italianos, misturada a uma cor, evidentemente, brasileira. Um sorriso largo, um andar preguiçoso. Aonde escondia esta ave singela, por todos estes 12 anos? O que houve com aquela pata feia, de sardas amareladas? – calculava Alberto, no assombro do x + y = z.
Correram até o fim da imperiosa plantação de café. Ele, depois ela. Até as forças cessarem, os pequenos pulmões implorarem. Mariana, apoiando sua cabeça, sobre os ombros do nosso protagonista, com a impetuosidade característica essencialmente às mulheres deste país, aproveitando-se da fraca resistência do jovem Dumont, lhe tascou um beliscão por entre as costelas.
- Menina doida!, disse.
Os dois se olharam, repletos de raiva. Estranhamente, de raiva, um ganhou o primeiro beijo do outro. O coração quase lhe saltava pela boca. Pode ouvir ao longe seu pai gritando umas palavras, que lhe pareciam familiares. Já não podia ouvir. Estava à milhas, longe de alcance, flutuando em algum lugar do espaço.
- Alberto Santos Dumont!, a voz grave ecoou.
- Desculpe mestre, estava distraído!, acordou de súbito.
- Pelo que vejo anda voando de novo filho. Vai perder de vista o balão, disse carinhosamente, Henrique Dumont.
Dumont filho pôde perceber que não estava na sala de aula. Novamente, estava divagando. Lembrou-se enfim, dos seus atuais 15 anos, que estava em São Paulo, de férias com a família. E que aquele gigantesco balão, que voava ao longe, o levara à primeira sensação de vôo que tivera na vida. E a certeza, que carregaria para o resto de seus dias:
- Irei voar por muito mais vezes.